Discutia com uns amigos, há umas semanas atrás, (tenho uma filha de catorze anos que nos nasceu cá em casa já com catorze anos) a decisão da maioria dos canais de programas infantis e infanto-juvenis terem emissões (quase) totalmente em português, dizia que numa era como a nossa, em que a tv é digital, é relativamente fácil mudar o áudio dos canais e acrescentar/retirar legendas ao prazer do utilizador, isto claro se ambas as opções estiverem disponíveis.
Lembro-me do Cartoon Network só emitir desenhos animados no original e o meu cunhado, com 6 anos, já perceber e usar determinadas expressões em inglês; deduzo que muitos dos que viram o canal percebam alguma coisa de inglês à custa dele. A minha filha não é propriamente uma poliglota, e tem também algumas dificuldades na leitura do português, como é que conseguimos mitigar essas dificuldades (no que à tv diz respeito) se a tv não ajuda? Há duas semanas descobri que o Disney Channel permite ver as séries com o som original, não tem é legendas, mas se a gaiata não percebe patavina de inglês como a colocar aos catorze anos a ver algo sem que consiga retirar qualquer sentido? Lutas destas na adolescência são muito maiores!
Não pretendo dar respostas às questões colocadas anteriormente, até porque ainda não as temos. A razão desta introdução é pensar que estamos a regredir numa prática portuguesa, a ausência de material dobrado. Historicamente, os anos oitenta tinham mais razões para a existência de programas dobrados do que a segunda década do século XXI, mas a verdade é que, por culpa dos canais de cabo, a realidade alterou-se.
Somos um país estranho na Europa e nas Américas, a maior parte dos países dobra tudo, que calafrio!, ao contrário de nós.
Os EUA têm dificuldades com legendas e até aqui eu levava essa dificuldade com alguma bonomia. Mas, o ano passado lia que houve queixas contra a versão americana de The Bridge, porque os produtores decidiram que sempre que existissem pelo menos duas personagens mexicanas estas falariam em espanhol e não em inglês. Séries nórdicas de qualidade foram adaptadas, porque a qualidade da dobragem americana é fraca e porque o americano que vê televisão não quer ler legendas e não o sabe fazer! Homeland, por exemplo, é baseada numa série popular isrealita. O mercado televisivo americano tem pouco espaço e necessidade para material estrangeiro, quando este é bom simplesmente adapta-o, quando o dobra a qualidade das vozes nem sempre é a desejada.
Mas agora o “estrangeiro” alarga-se e começam os remakes de séries inglesas – Broadchurch, um sucesso de crítica e público, deu lugar a Graceland, quem viu a primeira não percebe a existência da segunda; e Luther, com Idris Elba, parece estar a fazer a mesma travessia. Estas duas séries são somente dois exemplos, e mais interessantes ainda porque as personagens principais são asseguradas pelo mesmo actor, em ambos os lados do Oceano.
O nosso problema é maior, não temos ficção, ia escrever de qualidade, mas com excepção das telenovelas a nossa ficção é redundante e mínima. Toda a ficção que criamos é sucedâneo de telenovela, se não no tom, pelo menos na forma. Ainda não regredimos aos anos noventa em que a TVI decidiu transmitir séries como A-Team em português do Brasil (Esquadrão Classe A), provavelmente não o faremos, mas quando o Governo decidiu esta semana que o inglês torna-se disciplina obrigatória no primeiro ciclo, constata-se que quase não há programas em inglês para as crianças, pré-adolescentes e adolescentes!
As opções que a tv digital nos dá são reais, mas para que sejam práticas é necessário que haja vontade e dinheiro, para além da dobragem, há que pagar também a legendagem.