As conversas da avó

Uma vez por semana, pelo menos, almoço em casa da Avó Joaquina, avó materna, e conhecida na Aldeia como Avó Joaquina. Parece que em pequeno me chateava com o facto de todas as pessoas, petizes incluídos, a tratarem por Avó, hoje já não.

A semana passada, almocei lá, só eu e ela, antes do almoço liguei para uma prima minha, sobrinha dela, perguntei como estavam e passei-lhe o telefone, que as notícias são mais verdadeiras em primeira mão.

Um desfiar de como estão, passando por todos os familiares das redondezas, pelo nome. A determinada altura, uma pergunta que me desarmou, “quem morreu nas últimas semanas?” Cinco minutos à conversa. Um mundo que diminui, ou pela morte ou pela morte e pela memória.

“Já não sei quem é.” Os anos na margem sul, os anos vividos em cima desta terra, as pessoas que passam pela vida… “Já não sei quem é”. Um mundo mais pequeno.

E antes que se eclipse, vou almoçar lá, pelo menos uma vez por semana.

A minha escola secundária já não existe.
Está lá, sim, mas a realidade é outra. A escola onde andei era quase a mesma em que o meu pai andou, tinha uns pavilhões novos, que hoje são velhos, tinha uns pavilhões velhos que hoje já não existem, penso que no último ano em que lá andei demoliram dois ou três, demoliram como quem diz, que os alunos querendo ajudar a empresa de demolições deitou abaixo as paredes ao pontapé!
A minha escola era a pior do concelho, hoje é uma das melhores, à custa de recusar alunos com médias baixas ou dificuldades de aprendizagem. O ano passado, a par do processo de adopção, e tendo de colocar a miúda numa escola, fui lá. A lei diz que o Director tem de aceitar a colocação, o Director diz que não, que tem alunos acima da média por turma, que já tem alunos suficientes com más notas. “Volte no final do terceiro período que vemos o que se pode fazer.”
A minha escola secundária tinha alunos que faziam turismo, outros curso prático de banditismo, lembro-me do jornal da escola fazer uma sondagem sobre quantos alunos do 7º ao 9º eram roubados semanalmente, ficavam de fora os que perpetravam os roubos.
A minha escola secundária tinha bons e maus professores, tive uma professora que deu um 101% a uma colega minha porque a conta dava 101%; tive um professor comunista que nos dava a segunda guerra mundial, a guerra fria e o comunismo a vermelho; tive um finalista em direito que dava biologia sem perceber um caracol daquilo, as notas escritas no teste mudavam consoante a cara do aluno na aula em que os entregava – vi oitos transformarem-se em dezoitos e dezoitos em oito.
A minha escola secundária já não existe, pelo menos quando a comparo com esta versão moderna, higiénica e direccionada para o sucesso.
Mas ao falar com funcionárias e professoras do meu tempo, ao rever os amigos de então, ao ser o que ela me ensinou, a minha escola está ali, mais presente do que nunca.