Portugal Assombrado

histórias de um portugal assombrado

Vanessa Fidalgo é jornalista e escreveu um livro de sucesso, Histórias de um Portugal Assombrado, que já vai na 4ª edição, demonstrando que o tema tem leitores em Portugal. Durante as férias comprei esse e a sua obra mais recente, 101 lugares para ter medo em Portugal, livro que continua o périplo pelas lendas (antigas e urbanas),  mitos e histórias de terror que habitam o nosso país.

Convém afirmar dois factos antes de perorar sobre o díptico de Vanessa Fidalgo, em primeiro lugar, revelar uma tara minha, o hábito de comprar livros relacionados com as zonas que visito, livros normalmente editados pelas Câmaras Municipais e/ou Juntas de Freguesia, de autores da região, sobre hábitos, costumes e história dessa mesma região. Há uns anos, de férias na Serra da Estrela trouxe alguns livros sobre a Serra, que abordam questões históricas ou linguísticas, nessas férias, comprei também um livro sobre costumes, hábitos e superstições da Beira Baixa; ou referir ainda um dos meus favoritos, editado pelo município onde trabalho, As Ruas do Lavradio, de que espero ansiosamente a edição do segundo volume.

O outro facto é a fé, sendo cristão protestante, a forma como se olha para mitologias e histórias de assombrações tende a ser ligeiramente diferente do usal ateu ou agnóstico.

Importante, também, é reconhecer o papel destas lendas e histórias de terror na história, cultura e religião de um povo.

O primeiro livro de Vanessa Fidalgo é um resumo de histórias sobre o numinoso, misterioso e lendário, sendo que cada capítulo inicia-se com uma análise científica, e por vezes, paracientífica dessas mesmas questões. A escrita obedece ao objetivo do livro e muitas vezes assalta o espírito do leitor, há histórias bem (d)escritas, que interagem com o nosso subconsciente, recriando a narrativa através de testemunhos diretos ou através das lendas e narrativas recontadas geração após geração, mas Vanessa Fidalgo fá-lo de forma, por vezes, poética e obedecendo ao estilo do género. O papel das histórias, desastres e incidentes na memória coletiva de um povo (nacional ou regionalmente falando) é descrito e percebido pelo leitor, que reconhece as pernas que as histórias têm pernas e o(s) caminho(s) que percorre(m), reconhece o início de costumes e hábitos, medos e temores a partir delas. fui surpreendido pela história da região onde vivo (no caso dos livros de Vanessa Fidalgo, a histórias e rumores acerca do hotel do Muxito ou do Castelo do “rei do lixo”, em Coina) ou de locais que visitei (a ponte de Mizarela, no Gerês, o cromeleque dos Almendres e a Capela dos Ossos, em Évora, o hotel Monte Palace, em São Miguel).

O segundo livro parece-me mais mecânico, menos literário, mais jornalístico na sua abordagem, por vezes ignorei a razão de ter medo presente no título do livro, que se torna numa espécie de roteiro do estranho e macabro, mais do que do medo. Neste sentido é um livro distinto no estilo de escrita, menos capaz de cumprir o díptico prometido, uma espécie de resumo do que ficou por contar por alguém que se cansou da temática e que o escreve de forma cansada e mecânica. Alguns dos subcapítulos são pouco mais do que adendas históricas e geográficas, por vezes, um pouco sociológicas dos locais e acontecimentos que narra. A fraqueza deste livro é também uma das suas forças, o inominável fica de fora e a descrição vale pela historicidade da narração. O sentido de humor, jocoso ou cínico, presente no primeiro volume torna-se mais ausente neste.

Terminando (até porque escrever sobre livros que se leram e não os tendo presentes fisicamente, neste momento, é complicado -lá está presente uma das temáticas secundárias do livro, pelo menos, para mim, que é o papel e ação da memória nas narrativas), e fugindo a um comentário geral, estes dois livros de Vanessa Fidalgo parecem-me uma excelente porta de entrada para a noção e estudo da Literatura Oral, para um descobrir da obra de J. Leite de Vasconcelos (mais presente no primeiro volume) e para um conhecimento mais aprofundado da nossa história e cultura, já que muitos hábitos e tradições religiosas são aqui referidos e contextualizados.

Parece-me interessante também perceber como o religioso, numa aceção mais ampla do termo, está presente até aos nossos dias e como o medo molda, e tolda o pensamento e ações.